Deficiências ocultas: um desafio para a inclusão
Entre invisibilidade e resistência, comunidade acadêmica expõe lutas por acessibilidade

Em 21/9 comemorou-se o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência. A data convida à reflexão sobre barreiras que ainda persistem em uma sociedade que, muitas vezes, só reconhece o que é visível. As chamadas deficiências invisíveis ou ocultas, como o transtorno do espectro autista, a surdez, a fibromialgia e a esclerose múltipla, impactam severamente a vida de muitas pessoas que têm suas dores invalidadas socialmente.
Thais Martins, técnica-administrativa em educação no Instituto de Ciências Biomédicas, e Julya Marques, estudante do Instituto de Biologia, ambas do Centro de Ciências da Saúde (CCS), são exemplos de pessoas com deficiências ocultas na Universidade. Suas trajetórias revelam os obstáculos diários enfrentados por quem precisa provar, constantemente, a existência de uma condição que não salta aos olhos.
Barreiras ignoradas
Diagnosticada aos 22 anos, no fim da graduação em Bioquímica, Thais Martins descobriu que tinha deficiência auditiva neurossensorial bilateral progressiva. Até então, já havia desenvolvido estratégias para lidar com as dificuldades, como sentar na primeira carteira e treinar a leitura labial — habilidade que só percebeu dominar na pandemia, quando o uso de máscaras tornou impossível acompanhar aulas e reuniões. Para ela, o desafio mais duro foi reconhecer e aceitar a deficiência, mas a invisibilidade também pesa.
“O primeiro, e talvez o mais difícil, foi reconhecer, aceitar e acolher minha própria deficiência. Muitas vezes, por não verem a deficiência, as pessoas duvidam da sua existência e lidar com isso é sempre um desafio.”
Episódios de falta de empatia marcaram sua trajetória acadêmica. Em uma reunião virtual internacional, ao pedir uma adaptação simples — acompanhar com fones no próprio computador —, acabou impedida de reconectar-se após uma falha técnica. O resultado foi a exclusão do recurso que lhe permitiria compreender melhor o conteúdo.
“Essa situação foi extremamente desconfortável para mim e evidenciou a falta de empatia ao negarem uma adaptação simples que era essencial para minha acessibilidade.”
Para Thais, é urgente transformar a forma como as universidades lidam com a diversidade. “Considero urgente a promoção da formação continuada para a sociedade acadêmica, para que possam conhecer e compreender as especificidades de cada deficiência, em especial, das deficiências ocultas. É preciso romper com a lógica da padronização, reconhecendo que acessibilidade não é um favor, mas um direito.”

Resistência e afirmação
A estudante Julya Marques, conhecida como Docinho, recebeu o diagnóstico de autismo em 2023, pouco antes de ingressar na Universidade. A notícia não foi bem acolhida por parte da família. Para ela, o processo de aceitação ainda é recente, mas essencial para compreender sua trajetória acadêmica e pessoal. Julya recorda episódios de invalidação que marcaram sua experiência e agravaram condições associadas, como ansiedade e síndrome do pânico.
“Uma professora no meu primeiro período disse que era melhor eu sair da faculdade ou eu saía da faculdade ou eu me adaptava ao jeito que as pessoas são.”
Julya defende a capacitação docente para lidar com diferentes formas de deficiência e critica práticas que reduzem sua autonomia, como quando professores se dirigem apenas ao mediador que a acompanha em aula. Ela relata ainda situações de capacitismo no ambiente acadêmico, como silenciamento, falta de mediação e desrespeito às normas de acessibilidade. Diante dessas barreiras, aprendeu a afirmar seu direito de pertencimento.
Ao mesmo tempo, a discente destaca o apoio recebido de diversos representantes da comunidade acadêmica — estudantes, professores e técnicos — que se empenharam em ouvir suas demandas e buscar alternativas para tornar a Universidade mais acessível. Entre eles está o Atendimento Multidisciplinar Especializado (AME), oferecido pela Coordenação de Acessibilidade e Inclusão (Cacin) do CCS, onde Docinho já teve acesso a acompanhamento como a terapia ocupacional, e o acolhimento da Secretaria Acadêmica do IB.
Para ela, sua vivência como mulher, negra, periférica e autista amplia os desafios diários, mas também fortalece sua luta por acessibilidade e reconhecimento.
“Qualquer lugar que eu queira estar é o meu lugar”, conclui.
A luta que permanece
As histórias de Thais e Julya escancaram um ponto central: a acessibilidade não pode ser condicionada àquilo que se enxerga. No Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, lembrar das condições ocultas é reconhecer que a inclusão só será plena quando empatia, escuta e respeito passarem a integrar, de fato, a vida universitária e social.